Mergulhamos Nos Arquivos Da adidas Para Contar A História De 50 Anos Do Seu Maior Ícone

EDITORIAL
13 mar 2020
Por: SBR Team

 Começando do começo…


NASCE UM MITO

Quem diria que, graças a uma biqueira de borracha em formato de concha e a uma história recheada de conexões que transcenderam o esporte, um tênis lançado no final de 1969 viraria o maior ícone da adidas?

Conhecido aqui no Brasil – por razões legais que vão além dessas mal traçadas linhas – por muitos anos apenas como adidas Star, o modelo nasceu a partir do Pro Model, um calçado de cano alto para basquete que chegou ao mercado nos últimos anos da década de 1960.

Naquele tempo, o Chuck Taylor All Star, da Converse, reinava quase que absoluto nas quadras, com seu cabedal de lona e solado vulcanizado, dividindo uma minúscula fatia do bolo com nomes como Pro-Keds e o Suede, da PUMA. O Pro Model fez relativo sucesso, graças ao seu cabedal inteiro de couro, uma revolução para os padrões da época, em se tratando de tênis para basquete, e ao desenho em pied-de-poule do solado, que permitia maior aderência ao piso. 

Mas foi uma derivação de cano baixo, oficialmente vendida a partir de 1970, que entrou para a história e virou personagem central dessa matéria.

Seu nome? Superstar. E o elemento mais marcante do seu desenho, a biqueira de borracha em formato de concha, ficava ainda mais visível no modelo baixo que prometia, ainda, certa dose de amortecimento, um ajuste preciso, reforçado pela língua fininha, e conforto de uma sola caixa, o que fez com que seu antecessor, praticamente, sumisse do mercado.

NAS QUADRAS E NAS RUAS

Poucos anos depois do seu lançamento, o Superstar já era usado por quase 75% dos atletas das ligas universitária e profissional de basquete dos Estados Unidos, e tinha no jogador Kareem Abdul Jabbar o seu mais ilustre fã.

O tênis, que àquela altura já aparecia nas ruas, nos pés dos aficionados pelo esporte, chegou a perder, anos depois, metade da tão icônica biqueira de borracha, a pedido do próprio Jabbar, que passou a emprestar seu nome para a ‘nova’ silhueta.

Daquele primeiro Pro Model, surgia, então, uma terceira linha de sucesso, sem ofuscar o brilho do Superstar, que apenas iniciava sua trajetória. 

Levado pelo basquete, o Superstar ganhou vida fora das quadras e encontrou com o hip-hop, movimento em plena ascensão no final dos anos 1970, onde passou a disputar com o PUMA Suede o posto de ‘tênis oficial dos b-boys’. 

MY ADIDAS

Em uma época em que os artista polarizavam suas apresentações entre os que subiam ao palco de terno e os que se fantasiavam para as performances, um grupo nascido no Queens, em Nova York, começava a esboçar sinais de rebeldia, adotando o mesmo estilo usado nas ruas em cima do palco e tendo um tênis sem cadarços, usado com língua puxada, como principal ícone de estilo.

O grupo era o Run DMC, a quem não se pode deixar de mencionar quando o assunto é a ligação da adidas com as ruas, e a adoção de um visual composto por agasalho esportivo e tênis impecavelmente combinado culminou na indignação dos mais conservadores, como o Dr. Gerald Deas – também mencionado como Jerrald Deas – um poeta, físico e músico amador que compôs a música “Felon Sneaker”, criticando essa ‘nova geração’ que teimava em não se conformar com os códigos estéticos estabelecidos para a época e usava roupas esportivas, no dia a dia e em suas performances.

A ausência dos cadarços era herança dos presídios norte-americanos, que proibiam a presença desse elemento nos calçados, a fim de evitar suicídios ou que eles fossem usados como “instrumentos de comportamento violento”.

Usar Superstar sem cadarços, ou com cadarços largos, sempre combinando com a cor das listras laterais serrilhadas, outro elemento icônico do tênis, já era quase regra e o desabafo do Dr. Deas foi rebatido com uma verdadeira declaração de amor aos tênis por parte do Run DMC, que não só reafirmava seu posicionamento através da música ‘My Adidas’, lançada no álbum ‘Raising Hell’, de 1986, como mandava um recado direto à marca alemã.

A faixa foi lançada no mesmo disco (para os mais novos, sim, já houve uma época em que músicas vinham em grupos, prensadas em grande bolachões de vinil, e não eram vendidas apenas avulso, em ambiente digital,  e tocadas no seu telefone celular) que continha ‘Walk This Way’, o maior sucesso do Run DMC, e a iniciativa, nada ingênua, partiu de Russell Simmons, produtor musical, gênio do marketing e um dos fundadores da gravadora Def Jam, que sugeriu a ‘vingança’ ao trio do Queens e que eles gravassem um vídeo caseiro, recitando toda a letra de ‘My adidas’ – que, originalmente, se chamaria ‘Me And My adidas Standing On Two-Fifith’, uma referência à rua 25, situada em área nobre da cidade – pedindo, na cara dura, um patrocínio para a marca.

A estratégia somente surtiu efeito algum tempo depois, quando ‘My adidas’ já era quase um hino e Simmons convenceu um grupo de executivos da marca a conferir uma apresentação do Run DMC ao vivo, no Madison Square Garden. Estratégia milimetricamente arquitetada, o ponto alto da apresentação foram os minutos de ‘My adidas’, quando mais de vinte mil pessoas ergueram seus tênis e convenceram os chefões da empresa germânica a assinar um contrato de 1 milhão de dólares com Jason “Jam-Master Jay” Mizell, Joseph “DJ Run” Simons e Darryl “D.M.C.” McDaniels. O primeiro de um grupo de rap com uma grande marca.

SHELLTOE

A partir daí o Superstar virou uma das silhuetas mais vendidas na história da adidas e, certamente, aquela pela qual a marca é mais facilmente identificada.

Sua biqueira de borracha em forma de concha lhe rendeu o apelido pelo qual é mais conhecido nos Estados Unidos até hoje, “shelltoe”, e as versões que sucederam aquele primeiro tênis, produzido na França, deram origem a uma nova geração do modelo, rebatizada Superstar II, com língua mais acolchoada, enchimento reforçado no tornozelo e um shape levemente mais gorducho.

Ilhoses nos passadores de cadarço apareciam e desapareceriam, assim como as presilhas – os famosos “laceclips” – nas mais diferentes formas e materiais, ou da mesma forma que aumentavam e diminuíam a espessura dos cadarços em si.

Consolidado como um ícone do estilo e disputando popularidade com o Air Force 1, da Nike, o Superstar atravessou os anos 1990 ainda relevante para o hip-hop (imagens clássicas do Beastie Boys não me deixam mentir), adotado pelo skate e assinalando seu nome no rol dos maiores clássicos da cultura sneaker, título reafirmado por um projeto revolucionário, desenvolvido duas décadas depois daquele contrato com o trio do Queens.

35 ANOS

Alheia à controvérsia sobre o ano real de nascimento do Superstar – em 1969 o tênis foi vendido para as lojas, mas o consumidor final só teve acesso ao produto em 1970 – a adidas lançou, em 2005, um projeto que revolucionou o mercado de sneakers.

Numa era de desenvolvimento do mercado, a ideia da marca era celebrar os 35 anos do seu maior ícone através de 35 diferentes edições especiais do modelo, dividas em séries e que começaram a chegar às lojas no primeiro minuto do ano, fazendo com que consumidores passassem a virada de 31 de Dezembro de 2004 para 1 de Janeiro de 2005 em filas que se formaram na porta de revendedores de todo o mundo.

Mais uma vez, o Superstar se via posicionado no centro de uma estratégia de marketing minunciosamente bem calculada, arquitetada pelo estúdio londrino U-Dox, não por acaso o mesmo que começou o site Crooked Tongues e formado por fãs confessos da silhueta.

O ponto inicial do projeto era uma edição branca de listras pretas, que retomava o shape “vintage” do Superstar, esquecido após o advento do Superstar II, e que trazia o rosto do fundador da adidas, Adi Dasller, estampado nas laterais. Além disso, essa primeira edição especial trazia a borracha da biqueira e do solado já amareladas, inaugurando uma safra de tênis novos que já vinham com uma cara propositalmente usada.

Aqui cabe um parêntese: pela natureza da borracha utilizada, o Superstar sempre foi conhecido por amarelar a biqueira e o solado com o passar dos anos, característica que desagradava muitos dos fãs do tênis, que faziam questão dos seus pares branquinhos. No caso do preto, a borracha desbotava, ganhando um tom acinzentado, e o problema foi corrigido pela adidas adotando uma nova composição.

Ironicamente, o começo dos anos 2000 trouxe consigo a moda dos objetos “vintage”, peças novas que já saíam da caixa com aspecto envelhecido, e o Superstar não ficou imune à onda. Surgiam, então, os que faziam questão dos seus pares amarelados e, para esses, nasceu o Superstar Vintage.

Voltemos aos trigésimo quinto aniversário.

Dividido em séries como “música”, “expressão”, “cidades”, “aniversário” e “parceiros”, o projeto de 35 contou com a participação de nomes como Red Hot Chilli Peppers, Missy Elliot, Lee Quinones, Jay Z e sua Roc-A-Fella, Underwold, Upper Playground, Puff Daddy e Bad Boy Records, além do próprio Run DMC e de lojas como UNDFTD, Footpatrol, TATE, Union, Neighborhood e D-Mop.

Com graus de dificuldade para se conseguir um par diretamente proporcionais ao desejo gerado pelo modelo, a série teve como ponto alto o número 35, um tênis batizado “Top Secret”, que se revelou todo branco, com o couro se estendendo até a entressola, embalado numa caixa bem especial e limitado a apenas 35 unidades, distribuídas por meio de uma gincana que mobilizou fãs de diversos países.

O projeto serviu de gancho para a adidas resgatar um outro conceito, o de adicolor, no ano seguinte, e como pontapé inicial para a Consortium Series, linha especial, encabeçada por parcerias estreladas, que sobrevive – com sucesso – até hoje.

50 EDIÇÕES ANTES DOS 50 ANOS

Dez anos se passaram e Pharrell Williams, que havia assinado com a adidas em 2014, surge em uma foto de Instagram rodeado por 50 execuções monocromáticas do Superstar.

Em 2015, o projeto ganhou as ruas, batizado Supercolor e simbolizando a diversidade, defendida por Pharrell (e por qualquer pessoa sensata) em todas as suas criações com a marca das três listras.

O Superstar voltou à moda, a moda adotou o Superstar mais uma vez – num ciclo natural da cadeia de consumo – e outros cinco anos se passaram – recheados de novas variações do nosso clássico, mas isso é assunto para um outro post – até que chegamos em 2020, ano dos festejos de 50 anos do ‘shelltoe’.

JUBILEU DE OURO

Embalado por uma campanha que reforça a importância do coletivo nas mudanças que queremos para o mundo – e para nossas vidas – e por um coletivo de astros internacionais, que inclui de Mark Gonzales a Anitta, passando por Jason Hill e Pabblo Vittar, o tênis volta aos holofotes nas suas formas mais puras – branco de listras pretas, preto de listras brancas, branco e preto total – carregando nas línguas a etiqueta dourada que lhes confere a distinção de um cinquentão que só fica mais atual à medida que os anos passam. Não poderia ser diferente, em se tratando de um clássico.

Longa vida, Superstar!

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