O Tênis Da Nike Que Era Uniforme Nas Baladas Da Itália Nos Anos 1990

26 maio 2017
Por: Jaime Ha

Artigo traduzido do original escrito por   e publicado na DAZED


Um novo livro de tiragem limitada explora o fenômeno do AIR MAX 97 através de vozes de quem conhecem o conhece bem e usou bastante, de Riccardo Tisci a Anna Dello Russo

Festa de gabber

Em NOVA YORK nos anos 1990, eram as TIMBERLANDs bege – com JAY Z indo notoriamente na DAVID Z de MANHATTAN todo final de semana para comprar um novo par doando seus pares ‘velhos’ para algum sortudo que estivesse caminhando por perto. Na COSTA OESTE, eram os CHUCK TAYLORs, com membros de gangues que anunciavam suas associações aos BLOODs ou CRIPS através das cores calçadas. LONDRES também teve sua silhueta favorita: NIKE AIR MAX 95 – chamadas frequentemente também de 110S. Em certo ponto, toda grande cidade ou região ficou associada a um calçado específico, um sinal de estilo que frequentemente é reflexo de uma certa cena ou subcultura, antes dela se popularizar. Esqueça hinos nacionais e placas, o que as pessoas tem nos seus pés tem muito mais para contar.

Na ITÁLIA, mais especificamente em MILÃO e ROMA, eram os LE SILVERS. Lançado em 1997, o AIR MAX 97 recebeu esse apelido pela sua cara futurista e metálica. Ela foi rapidamente adotada pelos grafiteiros e, logo em seguida, pelos jovens baladeiros das duas maiores cidades italianas. Era um calçado que vendia bem mas sem um desempenho espetacular nos outros países, porém na ITÁLIA, os 97s viraram o pilar de subculturas underground muito antes de aparecer nas passarelas da Semana de Moda de Milão e nos pés de jogadores de futebol fora dos campos. O AIR MAX 97 foi também, recentemente, inspiração para o designer italiano RICCARDO TISCI para a sua última colaboração com a NIKE que na ocasião declarou: “Se você não tivesse um AIR MAX vc não era cool! Todos os sexy bad boys ou a bad girls na balada, tinham um – eu me lembro de guardar dinheiro para comprar um par!” O tênis foi o primeiro a ser adotado em massa pelos italianos, gradualmente se propagando dos grandes centros para cidades rurais e províncias o que fez ele acabar ir parando nos pés de pessoas que nunca tinham grafitado um trem ou estado dentro de uma balada em NÁPOLES.

Seu fenômeno foi registrado pelo editor LODOVICO PIGNATTI MORANO, que já trabalhou em projetos como Ideas From MASSIMO OSTI, uma monografia sobre o italiano fundador da STONE ISLAND. LE SILVER, que será editado e publicado internacionalmente pelo grupo KALEIDOSCOPE e limitado a apenas 600 cópias, explora a adoção do 97 pelas mais vibrantes subculturas italianas e sua subsequente ascensão ao mainstream comercial através de uma serie de entrevistas, indo de pequenos rappers até ANNA DELLO RUSSO, diretora de moda da VOGUE JAPÃO.

Concebido originalmente como um relatório interno para a NIKE para explorar essa fascinação única por um certo calçado, o projeto cresceu e virou algo bem maior. “Para um editor focado em arte contemporânea e cultura, um livro sobre um tênis da NIKE certamente soa como algo esquisito”, explica o diretor criativo da KALEIDOSCOPE, ALESSIO ASCARI. “Há vários anos que repreendemos ao ato auto-referencial do mundo da arte contemporânea e ligamos os pontos que a conectam a outros campos e indústrias criativas. O que nos impulsiona é a oportunidade de olhar esses fenômenos sob a ótica da arte contemporânea, com um olhar atento na sua relevância sob a estética na sociedade – este livro é exatamente sobre uma obsessão estética”

Foto: Sha Ribeiro


O Nascimento Do 97

Em 1997, CHRISTIAN TRESSER era um jovem designer na NIKE, que tinha um grande passado desenhando chuteiras – e criando outro clássico da marca, o SPIRIDON. “Quando o 97 chegou na minha mesa, ele já havia passado por dois outros designers antes de mim”, recorda TRESSER no livro. “A mensagem que me passaram foi: ‘Esse tênis vai fazer a sua carreira. Não estrague ele.” E aí, inspirado na cena de uma gota d’água caindo em uma lagoa e as ondas se propagando, TRESSER começou a criar o 97, combinando um visual metálico com materiais refletivos. (Ele nega um equívoco muito comum entre os sneakersheads que acham que o tênis foi inspirado nos trem bala japoneses).


A Chegada Na Itália

“Eu acho que tanto o povo da balada quanto os escritores acabaram adotando o AIR MAX 97 sem um grupo saber o que estava rolando no outro,” explica MORANDO, o editor do livro. “Foi muito intuitivo. Despertava algo nas pessoas que viam o tênis, fosse em alguma loja ou na vitrine de alguma FOOTLOCKER, que saiam com um par nos pés sem sequer buscar uma aprovação prévia dos outros.

De acordo com MORANO, há diversas teorias sobre o porquê itens hiper futuristicos, como os 97 e os produtos da STONE ISLAND tem um valor cultural tão forte na ITÁLIA. Ele arrisca dizer que talvez esta ligado com “Os FUTURISTS (movimento de arte do início dos anos 1990) e como sua estética transformou a ITÁLIA em uma industria econômica se equiparando ao norte da EUROPA”.

“Nós íamos para as lojas de equipamentos nos ALPES e roubávamos várias jaquetas GORE-TEX  e de neve, usando diversas artimanhas”, relembra KRAZE, um escritor de AMSTERDÃ envolvido com a o graffiti de ROMA daquela época. “Usávamos jaquetas e calças GORE-TEX mesmo no calor. A gente não precisava de todas aquelas funcionalidades técnicas mas de qualquer forma, nós grafiteiros estávamos a todo instante nas ruas, escalando, nos escondendo, passando o dia todo fora de casa e correndo”. Naturalmente, quando os 97 foram lançados, foram a combinação perfeita para esse look exageradamente utilitário – as crews de ROMA e MILÃO encontraram rapidamente formas ilícitas de conseguir o tênis. Um grafiteiro recorda que era motivo de orgulho dizer que você não tinha comprado o seu par de ‘SILVERS’.

“Muitas pessoas com quem conversei disseram que conseguiram seus tênis roubados, ou conheciam pessoas que roubavam, ou trabalhavam em lojas onde roubos desse modelo em específico eram extremamente comuns”, explica MORANO. “Mas também, encontrei muitos que eram crianças na época e que imediatamente ganharam um par dos seus pais”.

Foto: Chentone


Silvers Na Pista De Dança

Em MILÃO e ROMA, “os grafiteiros foram os primeiros a adotar o 97 como parte do uniforme. Em NÁPOLES, foram os baladeiros, da cena local de HOUSE, os primeiros a usarem eles”, diz MORANO. “Os napolitanos tinham mais senso de moda e eram mais interessado em combinar o tênis com roupas de MARGIELA ou HELMUT LANG enquanto os grafiteiros milaneses e romanos buscavam aquele look mais técnico com jaquetas THE NORTH FACE e calças GORE-TEX”.

TINO RICCIARDO, um entusiasta do gabber, um sub-gênero do hardcore techno, diz que os SILVERS foram adotados pelos frequentadores de festas pelo seu visual mas também por uma razão prática: “Assim que eu vi eles pela primeira vez, eu já amei logo de cara. Eu gostava da cara toda cinza e metálica dele, algo que me lembrava o cyberpunk, e aí quando provei eles numa loja e senti o conforto deles, eu já estava entregue. Eles eram perfeitos para dançar”.


Le Silver Entra Para O Mundo Da Moda

Em um certo momento, o 97 superou a sua humilde origem subcultural, explica MORANO. A última terceira parte do livro é dedicada a este momento, com curtas citações de jogadores de futebol como FABIO CANNAVARO e MARCO MATERAZZI, ambos vencedores da Copa do Mundo de 2006, e também sobre como o modelo conquistou as passarelas de MILÃO. “Reza a lenda que foram dois os momentos cruciais para essa transição, primeiro quando GIORGIO ARMANI apareceu usando os SILVERS no final do seu desfile na Semana de Moda de Milão de 1998 em fevereiro e repetindo o ato uma temporada depois, em setembro, e DOLCE AND GABANNA usando eles no seu desfile”, diz MORANO. “Muitas pessoas lembram claramente desses dois eventos mas não há nenhum registro fotográfico e os envolvidos não quiseram confirmar os fatos para mim”.

Enquanto isso, ANNA DELLO RUSSO, acredita que a moda na ITÁLIA adotou o 97 como uma resposta a muitos anos de minimalismo, reação encabeçada por MARTIN MARGIELA e HELMUT LANG. Para ela, era apenas esse estilo que importava: “Nenhum outro tênis era aceito. Era aquele modelo, naquela cor (prateada) e ponto”. Assim que os tênis foram ficando ainda mais populares, alguns dos primeiros a adotarem o tênis deixaram os seus amados pares de lado porém muitos outras estavam tão envolvidas com essa estética que não se importaram.

Ilustrado com diversas anedotas coloridas, LE SILVER serve não só como um mergulho em como um único modelo de tênis penetra em todas as facetas da cultura jovem de um país como fornece uma visão momentânea da Itália no final dos anos 1990.

O LE SILVER desembarca dia 3 de junho nas lojas brasileiras, com um pequeno atraso em relação ao lançamento global dele e de sua versão dourada, que tem como dupla uma versão do AIR MAX ZERO com a mesma cor.

Eles chegam também no NIKE.COM daqui e é só ficar ligado na nossa página do FACEBOOK durante o dia para saber quando eles estiverem disponíveis.

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