Sobre Quando Conheci O Tinker Hatfield – Parte 1: A Saga

21 mar 2016

O ano era 2013. Novembro, para ser mais preciso. Dia 18 de novembro de 2013, aos que, como eu, se apegam a datas.

Naquele dia, minha agenda marcava um compromisso dos mais importantes que já tive. O primeiro de uma série que duraria os próximos sete dias e que tinha como ponto central a vinda do designer TINKER HATFIELD ao Brasil – pela primeira vez – o que resultou numa maratona devidamente registrada e detalhada na REVISTA SBR número 5.

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Às vésperas do AIR MAX DAY 2016, resolvemos resgatar, aqui no site, aquela história – escrita em primeira pessoa, e num tom pra lá de pessoal – tanto para os que chegam agora, e não tiveram oportunidade de garantir seu exemplar da REVISTA SBR, à época, quanto para os que acompanharam todas as etapas do processo conosco e que, assim como eu, não vão se importar de relembrar, mais uma vez, a passagem desse gênio – que é um dos mais importantes nomes do indústria esportiva e da cultura sneaker em todos os tempos – pelo Brasil.

Trechos da matéria original, detalhes que ficaram de fora e fotos, muitas fotos, é a forma como decidimos – eu e o time SBR – homenagear o pai da família AIR MAX, no dia em que ele apresenta ao mundo a sua mais recente contribuição para os festejos de AIR MAX DAY.

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O texto é longo – dividido em duas partes – mas espero que você goste – tanto quanto eu gostei de relembrar cada dia daqueles momentos. :)

De atleta a arquiteto. De arquiteto a designer.

A história de TINKER HATFIELD na companhia do Oregon começa, oficialmente, junto com a década de 1980, quando ingressou no setor de arquitetura, responsável pela elaboração de prédios comerciais da marca, bem como pela sua presença em feiras de calçados, através de estandes.

Antes disso, sua relação pessoal com a empresa acontecia por intermédio de Bill Bowerman, um dos fundadores da NIKE e seu treinador dos tempos de atletismo, na Universidade do Oregon.

Cinco anos depois daquele ingresso profissional, a companhia passava por um momento complicado de administrar, quando vendia dezenas de milhares de pares de um único modelo (o AIR JORDAN 1) e via outras centenas esquecidas em depósitos e prateleiras de liquidação por todo território norte-americano.

A equação não era saudável e foi então que um dos responsáveis pelo departamento de marketing – desde sempre, o coração da marca do swoosh – resolveu buscar novos designers, que pudessem dar uma sacudida na linha de produtos oferecidos pela companhia.

A primeira iniciativa foi um concurso interno, onde os candidatos ao cargo foram desafiados pelo diretor de criação a conceberem um tênis que fosse atlético e contasse uma história ligada ao esporte, mas que pudesse ser perfeitamente usado em horas casuais, no dia a dia.

O tempo para completar a missão? 24 horas.

Atraído pela oferta de um salário muito melhor do que o de arquiteto (“você é muito melhor pago para desenhar tênis do que para construir prédios”, afirmou certa vez), TINKER HATFIELD se candidatou ao cargo, o que resultou em vinte e quatro horas em claro, pensando, com a cabeça de um atleta (velocista e praticante de salto com vara desde os tempos de faculdade) e desenhando uma apresentação completa para o modelo, que podia ser usado em corridas e caminhadas, mas que tinha uma entressola fina o suficiente para também poder ser usado por pilotos de motos do tipo scooters, veículo bastante popular na Europa, de onde havia voltado recentemente.

Apaixonado por motocicletas, TINKER não só desenhou o tênis, como criou um modelo de moto com elementos relacionados, contando uma história completa, o que lhe rendeu a mudança de departamento.

“Amém”, foi a resposta que deu ao diretor criativo, quando recebeu o resultado.

A partir dali não demorou muito para que suas criações revolucionassem, de uma maneira nunca antes vista, a indústria dos calçados esportivos.

A saga por uma entrevista

 A essa altura todo mundo que frequenta esse site já deve saber, mas não custa relembrar que primeira criação de sucesso de TINKER HATFIELD foi o AIR MAX 1 e foi esse primeiro modelo, e não os JORDANS, tão cultuados em todo o mundo (HATFIELD assinou as gerações do III ao XV, ininterruptamente, retomando a criação no XX, depois no XX3 e participando do projeto do XX8), meu primeiro ponto de contato com TINKER: sou fã declarado do AIR MAX 1 e o designer, por isso e por tudo que veio a seguir, figura, para mim, na categoria das lendas de vários universos pelos quais me interesso: o esportivo, o sneakerhead, o do streetwear, o da inovação e, por que não, o da cultura pop.

A possibilidade de entrevistá-lo – remota, até então – surgiu em meio a um jantar informal, quando fui apresentado a um time de executivos da sede da NIKE, em Beaverton, e ouvi a pergunta bombástica “você não tem vontade de entrevistar o TINKER HATFIELD?” da boca de Andrea Corradini, uma velha amiga pessoal de TINKER

A resposta, é claro, só poderia ser um sonoro “sim” e, a partir dali, se passaram quase sete meses até o ansiado “TINKER quer ir ao Brasil” e, praticamente, onze daquele primeiro contato até que o designer e sua extensa comitiva desembarcassem por aqui .

Nascimento E Encontros

Para justificar essa vinda ao Brasil, era necessário montar uma agenda especial para TINKER a partir da entrevista que ele nos concederia, mas que também incluísse sua conexão com outros veículos de imprensa, consumidores, influenciadores e criativos das áreas de arte, design e arquitetura – além de sneakerheads, obviamente.

O designer, hoje Vice-Presidente para Inovação em Design e Projetos, queria se inspirar pelo nosso país e conhecer, tanto quanto possível, de perto o jeito de viver do brasileiro.

Sua comitiva era grande e incluía, dentre outros, o designer Mark Smith, parceiro em muitos dos seus projetos e nome por trás de criações como o lendário Air Yeezy 1 – junto com o rapper Kanye West .

Minha missão: acompanhar, o mais de perto que nos deixassem, essa agenda, desenvolvida metade em São Paulo, metade no Rio de Janeiro, com momentos mais relaxados e outros mais institucionais, todos marcados pela simplicidade do nosso personagem, que parecia estar se divertindo muito – e estava, como me contaria a seguir – com cada minuto passado em terras tupiniquins.

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 A agenda que pude acompanhar começou com um almoço no centro de São Paulo, desbravado por TINKER a pé, numa tarde chuvosa de final de primavera. De cara, recebi a maior prova de sua simpatia e do seu bom humor, como já haviam me falado muitos dos amigos que já o entrevistara anteriormente e com quem conversei a respeito.

TINKER, no primeiro de nossos vários cumprimentos, ao confirmar meu sobrenome, me lançou uma frase que ficou ecoando em minha cabeça por muitas horas e que foi repetida por ele em duas outras ocasiões posteriores: “minha vinda ao Brasil é culpa sua”.

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Pronto, estava aberta a temporada das altas emoções.

Por mais que eu tentasse fazer a linha ‘jornalista sério’ e que a presença constante de um diretor de comunicação da NIKE (simpático, bem verdade) em todos os nossos encontros não me deixassem esquecer que eu representava um veículo de comunicação, não dava para fingir que eu não estava na frente de um ídolo.

Primeiro, porque não sou jornalista. Ponto. E depois, porque a Revista SBR e o SNEAKERSBR, ainda que sempre comprometidos com a informação de qualidade e com a pluralidade na abordagem de marcas e modelos, nunca se propôs a ter uma linguagem tradicional, nos moldes dos veículos mais antigos.

Então estava tudo certo: foi a paixão pelos tênis que me trouxe até aqui e não era pecado demonstrar essa paixão pelas criações de TINKER. Sempre tentando conter a tietagem explícita, obviamente, como mandava a cartilha da boa educação.

TINKER também não parecia adotar uma postura de ídolo ou mito, o que também viria a confirmar a seguir, por mais que a estrutura ao seu redor fosse a de um verdadeiro pop star. O que ele queria era conviver por alguns dias com brasileiros e fazer dessa convivência fonte de inspiração para o que só devemos conhecer nos próximos meses – ou anos.

Feito o primeiro contato, o próximo compromisso era a tão aguardada entrevista, ponto de partida de toda essa odisseia.

Conversamos com TINKER HATFIELD por uma hora, com direito a sessão de fotos na sequência e poses que nunca imaginaríamos vê-lo fazer. O cenário, a pedido do próprio, tinha que estar relacionado com arquitetura e o resultado da conversa, a mais longa concedida a um veículo de comunicação brasileiro, você confere, na íntegra, na parte 2 dessa matéria.

Do time SBR estavam presentes eu, Ricardo, Flávio Oota, registrando tudo em fotos, e o Jaime Ha, dando aquele suporte geral. De convidado, tínhamos o amigo Gustavo Elsas, convocado para o registro em vídeo – negado, em cima da hora, pelo time da marca, o que não acabou sendo nenhum problema.

Durante todo o tempo, TINKER se mostrou ainda mais relaxado do que no encontro anterior. Brincou com a sonoridade de palavras brasileiras, como Ibirapuera, falou de suas primeiras impressões do país, surpreendeu ao revelar total desapego pelos clássicos criados por ele no passado e quase fez o supracitado “time da marca” enfartar, ao posar para nossas fotos ‘plantando bananeira’ na parede da Oca, prédio instalado dentro do Parque mais famoso da capital paulista.

Quem diria que eu veria o ‘mito’ TINKER HATFIELD fazendo uma traquinagem típica de criança levada?

Antes de tudo, ele é um atleta, como fez questão de lembrar ao incrédulo grupo que o assistia.

Depois disso, nos vimos, rapidamente, numa palestra proferida por ele na (faculdade paulistana) FAAP. O papo, num padrão formal raramente adotado pelo designer, foi intermediado pelo arquiteto Guto Requena, vítima de mais provas do humor de TINKER, quando ele apresentou o mundialmente famoso número em que desenha um tênis ao vivo, mostrando habilidades com seus inseparável iPad.

Da FAAP seguimos para um jantar fechado para a imprensa, onde sentamos lado a lado e conversamos brevemente sobre a entrevista da manhã. TINKER brincou comigo sobre fama – me apresentando ao restante da mesa, mais uma vez, como responsável por sua vinda ao país – e ficou boa parte do tempo rodeado por belas jornalistas do universo da moda – que pareciam bem empolgadas em ouvir histórias sobre viagens para as montanhas com Michael Jordan, habilidades com surf e esqui, ou sobre como o estilo de Roger Federer foi retrabalhado a partir de uma conversa com o mago das criações da NIKE.

A certo ponto,  entretanto, ele, educadamente, preferiu ficar conversando comigo sobre a série Portlandia, sobre tênis do passado e do futuro e sobre como havia feito um grande amigo chorar mais cedo, numa convenção interna da NIKE onde apresentou o mesmo número da criação do tênis no iPad.

A noite acabou tarde e o outro dia começaria cedo, com a viagem ao Rio de Janeiro, onde estava agendado um papo com sneakerheads, conduzido pelo editor-chefe do The Hype BR Lucas Penido.

Durante esse novo papo, em que eu deveria ser apenas espectador, foi a minha vez de ser surpreendido por TINKER, que a essa altura já parecia íntimo, brincando a toda hora com meu primeiro sobrenome (Carvalho) e sua dificuldade de pronunciá-lo e fez uma introdução empolgada, ao apresentar para a plateia o escolhido da noite para, com ele, criar um tênis ao vivo, na tela do iPad: EU (!!!).

(Ignorem a cara de vergonha, nas fotos…)

O modelo só poderia ser um AIR MAX 1 e TINKER, claro, já sabia disso. As cores, por sugestão minha, tinham que ser as da bandeira do Brasil, afinal a homenagem era também ao SNEAKERSBR.

Como numa brincadeira de dois velhos conhecidos, fomos alternando a localização delas nos painéis, nos cadarços e adicionando outros elementos gráficos, com TINKER, vez por outra, recorrendo ao auxílio do Lanceiro que eu levava nos pés para relembrar o desenho que havia criado vinte e seis anos atrás: “estou velho! Não lembro do desenho do tênis que eu mesmo criei”, brincou ele, arrancando risos da plateia.

A emoção me faz lembrar só de flashes do que deve ter durado pouco menos que trinta minutos, coroados por mais um encontro particular, na sequência, e mais declarações que atestavam o que todo mundo já devia saber: TINKER é gênio. Do tipo que não precisa fazer tipo, nem impor distâncias que o afastem das ‘pessoas comuns’.

Dali para a frente, o final de semana foi de diversão, surf, passeios por pontos turísticos do Rio, graffiti e festa. Até o último dos dias do pai do AIR MAX por aqui, sem agenda para cumprir. Só horas livres para desenhar, atendendo ao seu pedido.

Para mim, a volta para casa foi como uma grande digestão. Era preciso processar a quantidade de coisas que tinham acontecido ao longo dos últimos seis dias e fazer caber tudo em ‘somente’ dezoito páginas da revista.

“Por sua obra, por esses seis dias e por tudo que ainda vem por aí, com a sua marca, TINKER HATFIELD, certamente, mereceria muito mais” – era assim que eu encerrava aquela matéria, dois anos e pouco depois atrás, o que, ainda hoje, tenho absoluta certeza.

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Fotos: Flávio Oota, Raul Aragão, Andrea Corradini, Cláudia Fontoura

Na parte 2 dessa matéria, a entrevista completa que TINKER concedeu à REVISTA SBR número 5.

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